Quando ele nasceu, o tempo já não era o tempo. O amor era outra coisa e a vida acontecia em segundos. Seus olhos mentiam sempre, mas a voz era doce. Talvez por isso as pessoas ainda acreditavam nele. Mas não era só isso, o que ele mais queria era ser amado, amado de um jeito qualquer, amado como nos livros, como nos filmes, mesmo que durasse o tempo interminável de um beijo.
Então ele fugiu, escapou do tempo e ganhou asas, dessas que só os anjos e os pássaros conseguem. Assas douradas, brilhando como a luz do sol. Tão impossível de se ver que doía.
Um dia, voava além das montanhas, além das nuvens, além do céu e, ao longe, viu uma luz como a dele. “É ela!”, pensou, e bateu as suas asas o mais rápido possível. Mas a luz voava rápido, muito mais que ele. E ele a perdeu.
Triste e só, fez um ninho no alto de uma montanha e lá ficou. Esperando que suas asas caíssem, mas elas ficavam mais fortes, e cresciam.
No dia que olhou para o céu, no dia da mais linda tempestade, ele viu, entre as nuvens, raios e estrelas, a luz. Disparou até ela. Conseguiu vê-la. Eram asas brancas reluzentes, de beleza sem igual.
Entre as nuvens, desviando de raios, voando como o vento, ele a alcançou. Tocou em suas asas e ela parou. Trombaram. Olharam-se, observando a beleza um do outro, e esperando. Ela sorriu, e ele, sem pensar, a beijou. E, quando seus lábios descolaram, ele perdeu as asas. E despencou do alto do céu, dentro da tempestade. Nada mais importava. Feliz, ao cair do céu, viu raios, cortou nuvens, conheceu as lágrimas e chegou ao chão. Sem asas, passou a caminhar, sempre olhando para o céu.
Ventos depois, a luz desceu até ele. Era ela, linda. De asas brancas.
– Por que você foi embora? Ela perguntou com olhos úmidos.
– Minhas asas me abandonaram. Não posso mais voar.
– O que foi aquilo que você fez em minha boca?
– Foi amor. Naquele dia, eu lhe dei a verdade.
– Por isso suas asas caíram.
– Talvez.
E ela o beijou, esperando que as asas crescessem novamente. Mas nem as dela caíram.
De uma brisa nasceu um vento forte. E numa ventania ela se foi.
Ele ainda olha todo o dia para o céu.
Mas o que ele nunca percebeu, é que as asas não lhe faziam falta.
E um dia, cansado de esperar e de olhar para o alto, ele voou, mesmo sem asas.
Rêmulo Vaney Carrozzi