Um ano nove meses e dezesseis dias

O deserto.

Com a dor, o deserto te invade, tudo é o deserto.

Fica-se sozinho.

A morte e o abandono te enterram.

A dor é tão forte que se deseja o deserto, só ele conforta.

Fica-se tão só que aqueles que o amam te procuram e não te acham.

E lá não há nada.

Só o sol devastador de dia e o suplício do frio à noite.

Os dias se arrastam no deserto.

Bebe-se as próprias lágrimas.

A dor não diminui, acostuma-se com ela.

O sol dilacera e consome a pele e espera-se pela noite e a desolação do frio.

Lentamente passa-se a andar pelo deserto, cobras e escorpiões te fazem companhia.

Procura-se, sem querer encontrar, uma sombra que não existe.

Vê-se miragens de pessoas amadas, amigos que não te acham.

O dia todo, caminha-se sob o sol.

Não há descanso, só ruínas.

À noite, cobre-se com pedras, que te machucam mais que o frio.

A dor se cristaliza e o sangue escorre mais lento, mas a ferida não fecha.

Sente-se sede, mas não há água, nunca houve.

Encontra-se uma caverna.

Melhor ela, escura, abafada, fria como o túmulo que tanta dor causa.

Fica-se nela.

Lá fora o deserto.

A dor faz pensar.

Ouve-se gritos do teu nome.

Os olhos se acostumam com a escuridão.

As trevas confortam e é possível ver os detalhes do fundo da caverna.

Nega-se o outro lado.

A ferida ainda aberta não sangra mais, mas dói como antes.

A sede aumenta, lágrimas amargas demais.

Quase se tem fome.

Olha-se para a luz e a vista dói.

Tem-se a sensação de vultos, sombras que te procuram.

Vê-se uma mão.

Alguém grita o teu nome.

Nada.

A dor é sua amiga.

As lembranças são o que lhe dá forças.

A vida é cruel demais.

O amor é frágil e poderoso e, até que ele entre na caverna, a luz fica de fora.

Sonha-se que está caindo, e o teto da caverna é baixo.

O sofrimento cede, a dor não.

A luz te chama, saudades de caminhar pelo deserto.

Vai-se até a entrada, os olhos doem, um cheiro incomoda, melhor sair da caverna e enfrentar o deserto.

Anda-se com vigor, corre-se para fora.

A ferida não sangra, mas fica aberta, a carne viva, sem cicatrizar.

Acostuma-se com a mesma dor.

Uma nuvem te protege.

O sol sente vergonha.

Avista-se uma árvore, talvez seja o fim do deserto, talvez só mais uma miragem.

Alguém que você ama te oferece água e você finalmente aceita.

As nuvens aumentam.

Chove.

O calor se abranda.

O verde nasce tímido.

Chove.

Lobos aparecem e te seguem.

Alguém te dá à mão.

Um sorriso se rompe.

A dor ainda é a mesma.

Chove.

Pequenos arbustos e minúsculas flores se revelam.

O deserto acaba, a dor não.

Um bosque te acolhe e, mesmo com a dor, espera-se pela primavera.

 

(Título mutante, muda conforme a data contada do dia mais infeliz da minha vida)

 

Rêmulo Vaney Carrozzi

Advertisement

Sobre Remulo vaney Carrozzi

Meu nome é Rêmulo Vaney Carrozzi. Formado em Propaganda e Marketing, em Letras e com Pós Graduação em Literatura na PUC de São Paulo. Professor, quase escritor, leitor de tudo que aparece, cristão por fé e amor, questionador por nascimento (até mesmo dessa fé) e chato de carteirinha. Escrevo porque preciso, porque tem muitas coisas na minha cabeça e elas querem sair. My name is Rêmulo Vaney Carrozzi. Graduated in Advertising and Marketing, in Literature and with a Postgraduate Degree in Literature at PUC in São Paulo. Teacher, almost writer, reader of everything that appears, Christian by faith and love, questioner by birth (even of that faith).
Esta entrada foi publicada em Crônicas com as etiquetas , , , , , , , , , , , , , . ligação permanente.

4 respostas a Um ano nove meses e dezesseis dias

  1. Vanessa diz:

    Tão lindo e tão triste ao mesmo tempo. Dor e vazio…

  2. Caitlin diz:

    Nice post thanks foor sharing

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s