Fé Cego

Sebastião nasceu cego e vive como cego há 48 anos. Nunca viu a luz, mas sonha com ela desde o dia em que abriu os olhos. Sebastião é pobre e mora com seu pai, mãe e irmã num sitiozinho afastado da cidade; uns 50 minutos de caminhada por uma estrada sinuosa.

Sebastião ajudava a sua família em tudo o que podia, tinha o sítio desenhado em sua cabeça, guiava-se pelo costume. Ainda criança, aprendia com tudo o que a visão o negava, mas era o som que mais lhe dava direção. Quando ia para a cidade com sua irmã, Sebastião caminhava com a sua bengalinha por toda parte, lentamente, rua a rua, passo a passo. Nunca arrumou trabalho: mais compensava o dinheirinho do sítio do que se matar de ser explorado. Gostava do cheiro da terra, do mato, e de ter as raízes de mandioca entre os dedos.

Aos vinte anos, sua irmã arrumou trabalho na cidade como empregada, e ganhava mal, apenas para ela mesma. Sem a irmã, Sebastião ficou mais tempo sozinho, o pai e a mãe estavam sempre ocupados vendendo o que a pouca terra lhes devolvia.

Às vezes ficava tão só que dizia ouvir vozes, como a do vento, que conversava com Sebastião quando ele passeava pelo mundo. Gostava quando o vento ressoava nas folhas das árvores, ou reverberava pelas dobras da casa. Para Sebastião, as vozes mais lindas eram as dos pássaros, canções que ele dava nome e cor. A voz dos cães eram vidros, latidos afiados que cortavam pelo mundo, e que à noite brilhavam. A voz humana que ele mais amava era a risada da irmã, tiroteio de ar frouxo, riso escapulido e riam juntos.

Na cidade, sua irmã passou a ir à igreja e, quando possível, levava Sebastião. Lá ele aprendeu que Deus podia tudo, e que se tivesse fé, Jesus o daria novos olhos e ele veria o céu.

Vinte e oito anos depois, o cego ainda acreditava que Jesus dos céus lhe abriria os olhos e o faria ver o Sol, tinha fé que ele, um dia, fugiria das trevas.

Algumas vezes ele ia sozinho para a igreja, caminhava pela estrada com a sua bengalinha e nas curvas parava, esperava passar um carro para saber onde pisar com segurança.

Andou a metade do caminho e parou, não passava mais carro, até o vento parou, o silêncio deixou tudo mais pesado. Sebastião teve medo. Ouviu um ruído e seu coração disparou, e ele temeu como nunca antes. Sons novos, estranhos, vindos de uma árvore bem à sua frente, ele ficou paralisado. Uma brisa longe desafinou nas folhas das árvores e o vento chegou dançando, sussurrando-lhe um carinho no rosto, aquecendo o suor frio que lhe escorria pela pele, trazendo a paz.

Mais calmo, deu um pequeno passo, e sem motivo, ergueu a cabeça, um líquido pegajoso caiu em seu rosto lhe queimando a face, caiu de joelhos e gritou de dor esfregando as mãos ao rosto. Devagar foi se acalmando, respirando e voltou, mas não ao normal. Encheu os pulmões de ar e gritou: “GLORIA A DEUS!! GLORIA A DEUS NOSSO SINHÔ!! EU TÔ VENDO!! EU POSSO VÊ!! EU POSSO TE VÊ, MEU DEUS!!”. E com seus novos olhos contemplou suas mãos, calejadas, machucadas, lindas. E olhou para as árvores e para a terra e finalmente ergueu os olhos e olhou para o céu. “Meu Deus!! Meu Deus desse céu tão lindo!! Meu Deus do céu que é que é isso?” Sebastião olhava atônito para o céu, e uma forma estranha pairava no ar. “Vixxi!! Será que é um disco voador, é!? Rapaz, é um disco voador, veja você…” Ainda atônito, um ruído vindo da árvore o chamou a atenção. “Eita que num é o ET?! Bichim como tu é fei!” Um ser alaranjado muito estranho parava no alto da árvore. Começou a fazer sons estranhos, ruídos, e aos poucos foi saindo: “Vixxi, você, veja, rapaz”. Sebastião se admirava: “Rapaz, que ET esperto, tá me aprendendo a minha língua!” O ser desceu da árvore e tocou em Sebastião.

– Você era cego. – Se admirou o ET.

– Era sim sinhô, e Deus mandou você. Que foi que você fez? Perguntou Sebastião.

– Isso. – E o ET cuspiu novamente no rosto de Sebastião.

– Aaaaiiiiii, caramba, pô! Quando Deus manda, não precisa dar a paulada duas vezes, isso arde muito. E se curvou com a ardência, limpando o rosto.

– Por que você era cego? Perguntou o ET.

– Ora! Por que acontece. As coisas acontecem. É a vida. Mas graças a Deus eu agora posso ver – Respondeu sorrindo Sebastião.

– Quem é Deus? Indagou o ET.

– Rapaz!? Você veio lá dos confins das estrelas do lado de lá do universo e num conhece Deus não?! Deus é o ser mais bondoso, mais maravilhoso, mais bunito, mais lindo, mais cheio de graça, mais cheroso, mais quente, mais, mais tudo, é o amor, é a paz, é a alegria, é a sorte grande, é a vida, é Deus, ET de Deus!

– E como é que eu não conheço Deus?

– Não importa. Eu falo dEle pra você. Deus manda eu pregar pra toda a criatura. E se Ele mandou você pra curar a minha cegueira era pra – VOCÊ – poder ver Deus.

E Sebastião ficou horas, dias, semanas explicando e contando sobre Deus para o ET.

Até que um dia ele partiu. E Sebastião lhe deu presentes e disse:

– Oi, laranjinha, manda seus amigos ETs aqui que eu tenho muito o que falar pra Eles! Vá com Deus!!

E o ET se foi.

Sobre Remulo vaney Carrozzi

Meu nome é Rêmulo Vaney Carrozzi. Formado em Propaganda e Marketing, em Letras e com Pós Graduação em Literatura na PUC de São Paulo. Professor, quase escritor, leitor de tudo que aparece, cristão por fé e amor, questionador por nascimento (até mesmo dessa fé) e chato de carteirinha. Escrevo porque preciso, porque tem muitas coisas na minha cabeça e elas querem sair. My name is Rêmulo Vaney Carrozzi. Graduated in Advertising and Marketing, in Literature and with a Postgraduate Degree in Literature at PUC in São Paulo. Teacher, almost writer, reader of everything that appears, Christian by faith and love, questioner by birth (even of that faith).
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