Encontrou a porta aberta e entrou. Sentou-se no último banco, o primeiro que estava vazio, o mais escondido. Lá ficou por um tempo, um bom tempo. O corpo, que não era dela, nunca foi, doía inteiro. Seu rosto ainda ardia. Os tapas foram fortes. Suas coxas ainda estavam marcadas, vermelhas, em alguns lugares, quase roxas. Suja, sentia vergonha, medo, dor, frustração, angustia, ódio, tédio. Havia chegado ao fim e continuou depois dele, descendo e indo mais fundo, muito mais fundo. Chegou ao inferno. E não havia como sair dele.
Toda noite era um estupro. Nunca era fácil. Nunca era simples.Sempre era ruim. Todas as noites o inferno. E o dinheiro que ganhava era amargo, de nada servia, de nada adiantava. Algumas meninas diziam que gostavam, ela nunca acreditou. Sempre a náusea, a dor e o sofrimento no prazer dos outros, os escrotos e cruéis clientes. Clientes do inferno, ao inferno.
Inferno que conhecia bem, vivia nele. O céu era apenas uma propaganda na televisão. Inalcançável desejo. Paz. Casa própria, geladeira, móveis e é claro um marido, mas esse ela não queria mais, basta de homens. Teve homens demais pra essa vida. Largada, vendida, abandonada, surrada, esquecida, maltratada. Amada? Bastava estar só. O mundo seria o céu se estivesse só. Mas a fome era muita, a sina de perder tudo o que nunca teve. O medo do dono, da morte, o medo do medo, maior que a dor, que só não era maior que Deus. Um Deus que ela esqueceu, ou que se esqueceu dela, como ela dizia, como ela pensava, como ela sofria.
As luzes começaram a se apagar, só algumas poucas ficaram acessas, ninguém veio falar para ela sair. Cansada, se reclinou e se encolheu. Na boca veio um sussurro: “Meu Deus”. E dormiu.
Ela tinha asas, asas de uma mariposa, cinzenta-escura. Sentiu frio. Pensou em algo quente. A noite era sempre fria. Viu uma luz. Voou até ela.
Um leão segurava uma luminária.
– Posso chegar perto da luz? – Perguntou a Mariposa.
– Sim, pode. Mas cuidado! Não vai mais querer sair de perto dela. Seu calor e sua luz atraem muitos. Talvez não volte mais para onde veio. – Respondeu o Leão.
– Mas aqui é tão quentinho. E essa luz é tão boa. Se eu fosse grande e forte como você eu carregava essa luz para todos os lugares, disse a Mariposa com uma pontinha de tristeza.
– Ora, essa luz não é pesada. E essa luminária é mágica. Até você pode tê-la. – Disse o Leão com carinho.
– E como faço para que essa luz tão boa seja minha? – A Mariposa perguntou enquanto voava bem perto da luz.
– É só pedir e ela será em você. Mas cuidado! Pode ser que ela mude alguma coisa em ti. – Avisou o leão.
– Como assim mudar algo em mim? – Perguntou com medo a Mariposa.
– Uma vez, um pardal perdeu uma asa assim que a luz fez parte dele! – Disse o Leão gesticulando e movendo a luminária.
– Nossa! E como foi que ele voou? – Perguntou assustada a Mariposa.
– Ele nunca mais voou. – Disse lentamente o Leão.
A Mariposa quis se afastar, mas a luz a atraía.
– Essa luz nunca se apaga? – A Mariposa perguntou, intrigada.
– Nunca! – Respondeu o Leão.
– O pardal morreu? – Perguntou a Mariposa com medo da resposta.
– Não, depois de um tempo ele voou. Mas teve que cortar a outra asa e assim pode voar. – O Leão respondeu olhando bem nos olhas da Mariposa. O Leão tinha os olhos castanhos claros, quase verdes.
– Se eu receber a luz e as minhas asas caírem… Quem vai cuidar de mim? Eu posso morrer caída no chão. Podem pisar em mim e esmagar o meu corpo. Tenho medo. – Disse a Mariposa com a voz tremula e triste.
– Seu corpo já está esmagado, Mariposa, você não tem luz, por isso sente tanto frio. – Disse sério o Leão, olhando fixo nos olhos da Mariposa, que choravam muito.
– Moça, Mariposa! Abra os olhos! Mariposa Moça! Os olhos, abra-os!
– Moça! Moça! – Uma mão gentil a tocava. Ela abriu os olhos, se ajeitou no banco, passou a mão no rosto, sua maquiagem estava toda borrada, o banco molhado, suas lágrimas tinham escorrido até o chão.
– Por que você está chorando? Eu ouvi o seu pranto. Qual a sua dor?
– Nada, eu sou só uma dama da noite. Não valho nada.
– Vale sim e vale muito. Toda a criatura vale para Deus. Por que você não valeria?
– A minha vida é torta, eu não sei fazer nada, não tenho e não posso ter nada.
– Quem te disse essas mentiras? Quem te fez acreditar em todas elas? Deus pode transformar tudo. Deus pode arrancar suas asas, e te fará voar sem elas. Moça olhe para mim.
Ela olhou bem em seus olhos, e eles eram verdes claros, quase castanhos. Então ela começou a chorar e chorou longamente, fechando os olhos.
Uma luz começou a clarear e clarear e então ela acordou. Estava encolhida num banco da igreja e a luz do sol batia em seu rosto. Ela se sentou, respirou fundo e as lágrimas ainda escorriam de seus olhos. Olhou nas paredes do templo e leu: “O Leão de Judá vira em seu resgate, creia”. Ouviu o barulho de portas se abrindo. Um senhor muito distinto a viu.
– Como foi que você chegou aqui tão cedo? E como foi que eu não te vi? – Esperou uma resposta, mas o rosto da Moça o fez desistir da pergunta. E ele entendeu tudo – Não importa. Você está com fome? Quer tomar um café comigo? Ela respondeu que sim, mexendo a cabeça bem lentamente. – Legal! Como você se chama?
– Mari.
– Prazer Mari, meu nome é Leo.
– Que olhos bonitos que você tem, são verdes?
– Não, são castanhos. Quase igual os seus.
Rêmulo Vaney Carrozzi
Lindo, Vá! Nossos sonhos (dormindou ou acordados) sempre tem muita força. te amo. Vanessa
Obrigado, minha irmãzinha linda! Também te amo.
Lindo, meu irmão minhas lágrimas, escorrem pelo resto lindo talento que Deus te deu…Bjos Te amo Juliana
Obrigado, Ju!! Que legal que você se emocionou. Te amo muito!!